“Sempre tive muita vontade de vencer”

16 12 2009

Por Jeferson Peres

No auge de sua forma e à luz de mais um título de campeão brasileiro de xadrez, o GM Giovanni Portilho Vescovi fala ao Xadrez de Guarujá sobre sua vida, patrocício e conquistas. Mais do que detalhes de sua carreira Giovanni revela seus pensamentos e ponderações de uma história de talento e paixão.

Aos 31 anos Giovanni Vescovi é mais uma vez campeão brasileiro de xadrez.(Foto: Acervo de Giovanni)

Xadrez de Guarujá: Quem é Giovanni Vescovi? Como tu começou a jogar xadrez? Que tipo de apoio te ajudou no início?

Giovanni Vescovi: Nasci em Porto Alegre, mas sempre morei em São Paulo. O xadrez surgiu por iniciativa de meu pai, que me ensinou as regras por volta de meus 3 ou 4 anos de idade. Aos 8 anos comecei a treinar no Club Paulistano e logo passei a ter bons resultados nacionais e internacionais. No início meu pai foi um grande incentivador, o próprio Club Paulistano me ajudou como podia e até os 11 ou 12 anos as aulas com o amigo e MI Pelikian foram muito importantes. Tive a oportunidade de ter algumas aulas de finais com os MIs James Toledo e Herman Claudius, e também estudei algumas vezes com o GM Milos. Todo tipo de intercâmbio é sempre positivo, mas também devo dizer que já naquela época eu estudava bastante sozinho. Fora isso, também diria que os breves patrocínios que tive (principalmente dos chicletes Bubbaloo) ajudaram bastante pois pude participar de torneios internacionais.

Xadrez de Guarujá: Para ti o que te diferenciou dos outros jogadores e o fez despontar?

Giovanni: É difícil dizer. Acho que sempre tive muita vontade de vencer e todo meu tempo livre eu dedicava ao xadrez, por puro prazer. Como eu disse, também estudei bastante sozinho, embora eu tenha consciência de que poderia ter estudado muito mais, principalmente se tivesse um direcionamento melhor. Mas acho que não tenho uma resposta precisa para sua pergunta.

Xadrez de Guarujá: Para ti o que é necessário para um jogador hoje seguir os teus passos?

Giovanni: Primeiramente gostar do que faz. Depois se dedicar bastante e saber que é preciso sacrificar outros prazeres em muitos casos. O apoio de amigos e familiares também vale muito.

Giovanni em match com Anatoly Karpov (esquerda) em 2006. (Foto: Acervo de Giovanni)

Xadrez de Guarujá: Que tipo de treinamento ou preparação te levaram a se tornar um GM e agora mais uma vez campeão brasileiro de xadrez?

Giovanni: Nenhum método em especial. Sempre tive o hábito de ler muito xadrez de forma aleatória, mas também lia de forma sistemática o que era essencial, como teoria de finais. Minhas aberturas nunca foram boas, mas pelo menos de pretas eu sempre buscava linhas arriscadas. Hoje é um pouco diferente. O título de GM é uma consequencia natural do trabalho, mas demora em média uns 10 anos.

Xadrez de Guarujá: Neste ano Magnus Carlsen se tornou o mais jovem enxadrista a liderar o ranking da FIDE e ano passado André Diamant tornou-se o mais jovem campeão brasileiro. Pra ti, como se explica um avanço cada vez maior dos jovens no xadrez. Isto é uma tendência?

Giovanni: Não vejo como algo surpreendente. O Carlsen sim é um fenômeno, mas sempre existiram jovens talentosos. Eu fui campeão brasileiro absoluto com 15 anos em janeiro de 94. O Mequinho com 13. O Rafael com 17. A realidade é que hoje é mais fácil se tornar um jogador forte rapidamente, mas principalmente porque o estudo está disponível para todos e há muitos professores de alto nível em todo o mundo. Antigamente era muito mais difícil e tedioso estudar. Hoje dá para conseguir tudo pela internet. Inegável que há um avanço e uma tendencia, mas não é tão dramática como se fala por aí.

Xadrez de Guarujá: Em entrevista Magnus Carlsen disse que “ainda podemos derrotar as máquinas”, ao memso tempo que não aceitou desafiar Deep Fritz. Pra ti esta afirmação é verdadeira? Qual o futuro do xadrez frente o avanço tecnológico? Como usar estas tecnologias pra avançar na prática esportiva?

Giovanni: A tese defendida é que se o ser humano conseguir vencer uma partida em 100, significa que ele estava na sua melhor performance e foi superior à máquina (pois ela sempre joga na sua melhor performance). Se os dois – humanos e máquinas – estiverem em igualdade de condições (no seu 100%), então os humanos seriam melhores. Faz sentido, pois o problema do ser humano é não conseguir estar em 100% todo o tempo. Uma noite mal dormida, uma dor de barriga ou a briga com a namorada acabam influindo sempre.

Xadrez de Guarujá: Tu desafiarias hoje o Deep Fritz? Por que?

Giovanni: Não sei qual o sentido e não vejo porque. Mas se alguém quiser organizar esse desafio eu poderia estudar a possibilidade.

"Estou feliz jogando e espero poder continuar fazendo o que gosto", diz Giovanni sobre seu futuro no xadrez. (Foto: Acervo de Giovanni)

Xadrez de Guarujá: Que tu esperas para o futuro do xadrez no Brasil? Quais as maiores dificuldades da modalidade e de seus competidores? É possível “viver de xadrez” hoje?

Giovanni: Não espero nada. Estou feliz jogando e espero poder continuar fazendo o que gosto. Evidentemente é possível melhorar muitas coisas e condições, inclusive de treinamento e planejamento. Mas isso é uma tarefa dos dirigentes. Uma grande dificuldade é a falta de patrocinadores grandes. Há algumas formas de criar eventos atrativos e interessantes, e acho que é o objetivo de todos. Algumas empresas de visão começaram a perceber que o xadrez traz benefícios para seus praticantes e resolveram apoiar projetos sociais, como é o caso da Semp Toshiba. Eles apoiam um projeto de xadrez na favela de Heliopolis em São Paulo e estão muito satisfeitos com os resultados, principalmente por entederem que estão contribuindo para um futuro melhor para muitas crianças, afastando-as de atividades negativas e mostrando-as que elas também são capazes de ter sucesso, até mesmo num jogo complexo como o xadrez.

Xadrez de Guarujá: Com o título de 2009 tu te igualas a Gilberto Milos. Quais as tuas ambições no cenário nacional? E no cenário mundial?

Giovanni: É engraçado como todo mundo acaba se esquecendo que eu venci o Brasileiro de 93, disputado em janeiro de 94. Fiz a mesma pontuação que o Aron Correa e o derrotei no confronto direto, além de ter melhor sistemas de desempate. Por uma casualidade o match acabou nunca se realizando – como já havia sido o caso em outras edições – mas por entenderem que eu havia me recusado a jogar, acabei sendo prejudicado e o título não foi dividido entre ambos. Eu já tinha 100 pontos de rating a mais que o Aron e estava em boa fase, não tinha o menor problema em jogar com ele um match. Aliás, menos de um mês depois derrotei-o novamente no Aberto do Brasil. Mas, vai entender… De todo modo, eu contabilizo esse título, pois fiz por merecer. E o de 2009 passa a ser meu sétimo título.

Xadrez de Guarujá: O que o xadrez representa pra ti?

Giovanni: Não sei explicar. Tenho muitos amigos e adoro o ambiente dos torneios. O jogo em si é fascinante, pois é extremamente rico e complexo. É um desafio constante. Poderia discorrer muito mais, mas no fundo é uma grande paixão.


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